SENHORA
José de Alencar
Um mascate de quinquilharias arreara na calçada a caixa que trazia a tiracolo, e sentado no chão, com as costas apoiadas ao muro, fazia suas contas e dava balanço à mercadoria. Ou madrugara com intenção de estender o giro, ou apanhado pela noite longe da casa, a passara em alguma estalagem, e ia agora recolhendo-se, o que parecia mais provável. Na tampa emborcada da caixa, viam-se presos de cadarços, pregados vários objetos, que atraíram especialmente a atenção de Seixas. Fez ele um movimento para diante, como se quisesse chamar o mascate. Retraiu-se porém com certo vexame, dir-se-ia que estivera a praticar uma leviandade, da qual o advertira em tempo sua razão.
Como quer que fosse, ao cabo de alguma hesitação, venceu a primeira repugnância, mas não ao pejo do ato que ia praticar. Lançou pelos arredores um olhar perscrutador e verificando que a rua estava deserta, estendeu o braço fora da grade e bateu no ombro do mascate:
- chi va... exclamou o mascate voltando-se.
Não viu as feições de Seixas que se afastara da grade, e escondia-se por trás da folhagem; mas percebeu um nota de dois mil-réis que flutuava acima da cabeça, e tinha para ele decerto mais encanto do que a fisionomia do freguês.
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